Imagine sentir vontade de fazer sexo, mas perceber que o desejo sozinho não basta. Para algumas pessoas, especialmente quem se identifica como demissexual, a atração física só aparece após uma conexão emocional significativa. Em um mundo que valoriza encontros rápidos e aplicativos de relacionamento, lidar com esse tipo de desejo pode parecer um verdadeiro desafio, especialmente após o fim de um relacionamento. Relatos em redes sociais mostram que muitas pessoas demissexuais ficam divididas entre a vontade física e a necessidade de vínculo, tornando o caminho entre o desejo e a ação muito mais complexo do que parece.
O que é demissexualidade e como ela se manifesta?
A demissexualidade é uma orientação sexual que faz parte do espectro assexual, mas tem características muito próprias. Para pessoas demissexuais, a atração sexual não é uma resposta automática a alguém considerado bonito ou atraente. Ela surge apenas depois de uma conexão emocional profunda e significativa. Isso não significa ausência de desejo sexual – a diferença é o caminho que leva até ele.
Segundo a definição da Wikipédia, “demissexuais são pessoas que só sentem atração sexual por alguém após estabelecer um laço afetivo ou emocional relevante” (Wikipédia). Ou seja, não é sobre não sentir desejo, mas sobre a necessidade de sentir-se emocionalmente conectado para que o interesse sexual floresça.
A demissexualidade foi reconhecida e popularizada por volta de 2006, e desde então tem sido discutida com mais abertura, embora ainda seja pouco compreendida por muitas pessoas. O artigo da BBC News Brasil ressalta que muitos demissexuais só descobrem sua identidade após perceberem que não se encaixam nos padrões convencionais de atração, aqueles que reforçam a ideia de “química imediata” ou paixão à primeira vista (BBC News Brasil). Em contextos onde “ficar” e encontros casuais são celebrados, a demissexualidade pode parecer, para quem está de fora, uma escolha ou até uma resistência, mas está longe disso.
Vale lembrar que existe uma diferença fundamental entre demissexualidade e assexualidade. Pessoas assexuais podem não sentir atração sexual sob nenhuma circunstância, enquanto os demissexuais sentem desejo, mas apenas em situações muito específicas, geralmente após desenvolver confiança e intimidade. O site Soulmatcher reforça: “Enquanto a maioria das pessoas sente algum tipo de atração sexual imediata, para demissexuais é praticamente impossível dissociar o desejo de uma ligação emocional” (Soulmatcher).
Muitos demissexuais relatam que, antes de compreenderem sua orientação, sentiam-se deslocados ou até mesmo “errados” por não responderem aos estímulos da mesma forma que amigos e amigas. A descoberta da própria identidade acaba sendo libertadora, mas também traz novos desafios – especialmente quando o desejo aparece, mas o contexto não favorece o surgimento do vínculo necessário.
Desejo sexual e conexão emocional: um dilema cotidiano
A vontade de transar, para quem é demissexual, não desaparece após o fim de um relacionamento ou durante períodos de solteirice. Ela está ali, latente, mas não encontra um caminho fácil para se manifestar. Relatos de clientes e postagens em redes sociais mostram que essa experiência pode ser repleta de tensão e ambivalência.
Uma das questões mais frequentes é o desconforto em tentar encontros casuais. Como descreveu um usuário: “Ando sentindo muita vontade de transar, porém não me sinto confortável transando de qualquer jeito. Preciso me sentir confortável com a mulher. Nem me imagino transando com uma mulher do trabalho e nem quero estragar nenhuma amizade por causa de tesão… então tá foda, 5 contra 1 não tá ajudando em muita coisa. Só queria transar e ficar de boa!”
Esse relato revela um dilema central da experiência demissexual: o desejo sexual está presente, mas não se realiza sem conforto e confiança. O mundo ao redor, por outro lado, parece gritar para que todos aproveitem a solteirice, vivam experiências e explorem o sexo sem amarras. Essa pressão, vinda tanto de fora quanto de dentro, pode gerar sentimentos de inadequação, frustração e até culpa.
A necessidade de vínculo é muitas vezes vista, por pessoas alossexuais (aquelas que sentem atração sexual independente de conexão emocional), como uma preferência ou fase. Mas para quem é demissexual, trata-se de uma necessidade quase física, uma porta que só se abre quando há confiança, intimidade e identificação. O portal O Globo traz a fala de um jovem demissexual, que aponta: “Às vezes sinto falta de sexo, mas não consigo me envolver com alguém só por atração física. Preciso sentir que existe algo mais, uma identificação profunda” (O Globo).
O dilema se intensifica quando surge a vontade física e, ao mesmo tempo, a falta de contexto para criar o vínculo emocional necessário. Como conciliar o desejo com a necessidade de conexão, num ambiente onde tudo parece girar em torno da rapidez e da superficialidade?
O peso das expectativas sociais no universo dos encontros
Vivemos numa cultura que celebra o “ficar”, os matches instantâneos e o sexo sem compromisso. Aplicativos de relacionamento priorizam a atração física, criando um cenário onde o desejo é, frequentemente, apresentado como algo imediato, disponível e até descartável.
Para pessoas demissexuais, esse ambiente pode ser hostil ou, no mínimo, desconfortável. Encontrar alguém disposto a investir tempo, conversa e paciência é uma tarefa árdua. O artigo do Soulmatcher relata que muitos demissexuais se sentem deslocados em festas, baladas ou aplicativos, onde a dinâmica gira em torno de flertes rápidos e encontros casuais: “A pressão para se envolver sexualmente antes de desenvolver uma conexão mais profunda pode ser sufocante” (Soulmatcher).
Além da dificuldade prática de encontrar parceiros compatíveis, existe ainda o desafio do julgamento social. Não é raro, em postagens e comentários, encontrar pessoas que questionam a validade da demissexualidade. Perguntas como “Se você sente vontade de transar, como pode ser demissexual?” ou “Isso não é só ser seletivo?” refletem o desconhecimento e, por vezes, a desconfiança em relação a uma orientação legítima. A BBC News Brasil ressalta: “A demissexualidade ainda é vista com ceticismo por muitos, o que faz com que pessoas demissexuais tenham que explicar repetidamente sua experiência e justificar seus sentimentos” (BBC News Brasil).
Outro ponto de tensão é a crença de que esperar por uma conexão emocional é apenas uma fase ou uma preferência. Mas, como esclarece matéria do Terra, “para demissexuais, a necessidade de vínculo não é uma escolha, mas parte fundamental de sua vivência sexual” (Terra).
Essa pressão social e a sensação de inadequação podem levar muitos demissexuais a tentarem se adaptar aos modelos tradicionais, mesmo quando isso gera desconforto e insatisfação. A busca por autenticidade, neste cenário, se torna um verdadeiro ato de resistência.
Estratégias para lidar com o desejo sendo demissexual
Diante desses dilemas, é fundamental que pessoas demissexuais desenvolvam estratégias que respeitem sua forma de sentir e viver o desejo. Não se trata de abrir mão da sexualidade, mas de encontrar caminhos que privilegiem o conforto, o respeito e a autenticidade.
Uma das recomendações de especialistas é buscar espaços e grupos onde a construção de amizade e confiança sejam valorizadas. Atividades como cursos, voluntariado, esportes coletivos ou grupos de interesse podem proporcionar oportunidades para conhecer pessoas de maneira mais orgânica, permitindo que vínculos emocionais se formem naturalmente. O artigo do Soulmatcher reforça a importância de “investir em ambientes que priorizam a convivência e a troca de experiências, e não apenas a aparência” (Soulmatcher).
Outra dica é ser transparente sobre a própria orientação e necessidades com pessoas novas. Falar sobre a demissexualidade logo no início de uma aproximação pode evitar mal-entendidos e alinhar expectativas. Embora nem todos estejam familiarizados com o termo, a comunicação aberta tende a criar um ambiente mais acolhedor e compreensivo.
É importante também evitar a pressão – seja ela interna ou externa – de se encaixar em modelos de desejo que não fazem sentido para si. Se o sexo casual não traz conforto, não há motivo para insistir em experiências que gerem sofrimento. Buscar alternativas, como o uso de brinquedos eróticos, a masturbação consciente ou até mesmo o autocuidado emocional, pode ser um caminho saudável para lidar com o desejo enquanto não surge uma conexão significativa.
Por fim, encontrar e participar de comunidades, grupos de apoio ou fóruns onde outras pessoas vivem desafios semelhantes pode ser reconfortante. Compartilhar experiências e ouvir relatos de quem entende a demissexualidade de dentro ajuda a fortalecer a autoestima e a sensação de pertencimento.
A importância do autoconhecimento e da comunicação
No centro dessa jornada está o autoconhecimento. Entender a própria orientação sexual, reconhecer os próprios limites e necessidades é um passo fundamental para evitar o sofrimento desnecessário que vem da tentativa de se adaptar a expectativas alheias.
Conversar abertamente com possíveis parceiros sobre o que significa ser demissexual pode ser um divisor de águas. O artigo da BBC News Brasil destaca casos em que esse tipo de diálogo evitou frustrações e, ao mesmo tempo, abriu espaço para relações mais autênticas: “Quando falo sobre a minha demissexualidade, algumas pessoas se afastam, mas outras entendem e respeitam. E são essas que realmente me interessam” (BBC News Brasil).
Respeitar o próprio tempo, sem ceder à pressa externa ou à ideia de que é preciso “aproveitar” a solteirice de qualquer jeito, é um ato de autocuidado. O Terra reforça: “Cada pessoa tem um tempo e um ritmo diferentes quando se trata de desejo e intimidade. Não existe padrão ou fórmula mágica para todos” (Terra).
Buscar informação de qualidade, ler relatos, ouvir especialistas e, principalmente, confiar na própria experiência, são atitudes que ajudam a fortalecer o senso de valor pessoal. Em um universo onde a diversidade de desejos e orientações é cada vez mais reconhecida, dar voz à própria vivência é não só um direito, mas também um passo em direção ao bem-estar.
O desejo sexual é uma parte natural da experiência humana, mas, para os demissexuais, ele caminha lado a lado com o desejo de conexão emocional. Em uma sociedade que valoriza a rapidez e a superficialidade nos relacionamentos, ser fiel a si mesmo pode ser um desafio — mas também uma fonte de autenticidade e bem-estar. O autoconhecimento e o diálogo aberto são aliados poderosos para quem quer viver sua sexualidade de forma plena e respeitosa. Se você se identifica com esse dilema, que tal refletir sobre suas necessidades e buscar espaços onde sua forma de sentir seja valorizada? Afinal, o mais importante é viver o desejo de um jeito que faça sentido para você.
Referências
- Demissexualidade – Wikipédia
- Demissexualidade: a orientação sexual que ainda intriga muita gente – BBC News Brasil
- Conheça os demissexuais, pessoas que só conseguem levar um flerte adiante quando há identificações mais profundas – O Globo
- Demissexual: O que significa e como afecta o sexo e a atração – Soulmatcher
- O que é demissexual? Entenda o significado do termo – Terra