Imagine se preparar com carinho, investir em pequenos rituais para surpreender quem você ama, e, no momento de intimidade, receber apenas um virar de costas e o som do sono profundo. Para muitas pessoas, essa experiência desencadeia sentimentos de frustração, rejeição e dúvidas sobre si mesmas. Relatos em redes sociais mostram como esse cenário é mais comum do que se imagina, especialmente em relacionamentos de longa data. Mas o que está por trás desses desencontros de desejo e como lidar com eles de forma saudável?
O descompasso sexual é mais comum do que parece
Nos bastidores dos relacionamentos, longe das fotos românticas nas redes sociais, existe uma conversa que muitos casais evitam: a diferença de desejo sexual. Relatos de clientes e postagens em redes sociais revelam que esse descompasso não escolhe idade, gênero ou orientação. Trata-se de uma dinâmica quase universal e, segundo especialistas, absolutamente natural.
Segundo reportagem da BBC News Brasil, cerca de 1 em cada 5 homens e um número ainda maior de mulheres experimentam perda de libido em algum momento da vida1. Essa estatística ganha rostos e histórias quando lemos relatos sinceros de quem, após preparar um ambiente todo especial ou se encher de expectativas, encontra apenas o silêncio ou a recusa do outro. Muitas vezes, a dúvida se instala: será amor, cansaço ou algo mais profundo?
Para Kristen Mark, pesquisadora citada em artigo da DW, “o descompasso no desejo sexual é quase inevitável em relacionamentos longos”2. E mais: ele não é, necessariamente, sinal de crise ou desamor. A convivência, as mudanças da vida e a rotina tornam as curvas do desejo menos previsíveis do que gostaríamos. O importante é reconhecer que o desejo não é fixo, mas sim, algo que se transforma com o tempo.
Essa compreensão pode aliviar a culpa ou o sentimento de inadequação, tanto de quem sente menos desejo quanto de quem se sente rejeitado. Afinal, não se trata de uma falha individual, mas de uma dinâmica partilhada por inúmeros casais ao redor do mundo.
Por que o desejo muda? Fatores que afetam a libido
A perda ou o descompasso do desejo sexual raramente acontece por acaso. No dia a dia, uma série de fatores pode influenciar diretamente a vontade de transar — e, muitas vezes, eles passam despercebidos ou não são discutidos abertamente.
A BBC News Brasil ressalta que questões como estresse, cansaço, preocupações financeiras, saúde mental e alterações hormonais afetam o desejo tanto de homens quanto de mulheres1. O corpo e a mente estão interligados: um período de exaustão no trabalho, a ansiedade por contas a pagar ou mesmo uma discussão não resolvida podem minar a libido de forma silenciosa.
O impacto da pandemia de Covid-19 é um exemplo marcante de como fatores externos podem influenciar a sexualidade. Um levantamento citado pela CNN Brasil mostrou que, durante a pandemia, muitos casais relataram diminuição da frequência sexual, aumento do cansaço e quadros de ansiedade3. O lar, antes espaço de descanso, transformou-se em escritório, escola, academia — e o quarto, muitas vezes, perdeu seu caráter de refúgio íntimo.
Além disso, diferentes fases da vida trazem desafios próprios: gravidez, pós-parto, menopausa, envelhecimento, uso de certos medicamentos, mudanças corporais e até mesmo o ciclo menstrual podem provocar flutuações no desejo. Para muitas mulheres, por exemplo, a TPM pode alternar momentos de desejo intenso com dias de total desinteresse, como relatam clientes e usuárias em redes sociais.
Nem sempre, porém, o motivo está em fatores físicos ou externos. Às vezes, a rotina do casal, o acúmulo de pequenas mágoas, a falta de novidades ou o medo de expor desejos podem transformar o sexo em terreno delicado. O silêncio — ou o receio de parecer “exigente” ou “fútil” — acaba afastando ainda mais os parceiros.
O impacto emocional da rejeição sexual
É impossível ignorar o peso emocional de um “não” inesperado na cama. Para quem se preparou, investiu tempo, carinho e expectativas, receber a recusa do outro pode ser devastador. O silêncio, o virar de costas ou a falta de resposta costumam provocar sentimentos de inadequação, tristeza e até raiva — especialmente quando o sexo é visto como uma expressão de amor, afeto ou reconhecimento dentro do relacionamento.
O relato de uma cliente ilustra bem essa dinâmica: “Só um breve desabafo sobre como é frustrante tentar agradar o parceiro e a reação for simplesmente a pessoa virar e dormir. Banho tomado, cheirosa, camisola sexy, libido nas alturas, eu só queria dar mas ele só queria dormir kkkkk. Chorar por vontade de dar na tpm e se sentir rejeitada é deprimente mesmo.”
A sensação de rejeição sexual pode abalar a autoestima e, com o tempo, abrir espaço para quadros de irritabilidade, tristeza persistente e até sintomas depressivos, como aponta reportagem da CNN Brasil3. A falta de sexo, mais do que uma questão física, pode se transformar em uma ferida emocional, levando ao distanciamento do casal — tanto na cama quanto fora dela.
Quando o silêncio se instala, fingir que “está tudo bem” só reforça o ciclo de mágoa e incompreensão. Muitas pessoas acabam evitando o assunto para não pressionar ou magoar ainda mais o parceiro, mas a ausência de diálogo costuma ampliar o abismo entre desejo e realidade.
Segundo especialistas citados na DW e no G1, a frustração sexual é comum mesmo em relações emocionalmente saudáveis, já que a compatibilidade afetiva nem sempre garante o alinhamento perfeito de desejos24. Reconhecer isso pode ser o primeiro passo para sair do ciclo de culpa e ressentimento.
Comunicação aberta: a chave para reconectar o casal
Entre todas as estratégias sugeridas por terapeutas e educadores, a comunicação se destaca como a ponte mais eficaz para atravessar o descompasso sexual. Falar sobre sexo ainda é tabu para muitos casais, mas abrir espaço para conversas honestas pode transformar não só a experiência na cama, mas a qualidade da relação como um todo.
Emily Morse, educadora sexual e especialista em relacionamentos, afirma que “conversar abertamente sobre desejos, expectativas e frustrações é fundamental para a saúde sexual do casal”5. Morse recomenda a prática de ‘revisões sexuais’ periódicas — verdadeiros “estados da união sexual” —, momentos em que ambos compartilham como estão se sentindo, o que desejam experimentar e o que gostariam de mudar.
Esse tipo de diálogo não precisa ser formal ou constrangedor. Pode começar com perguntas simples: “Como você tem se sentido em relação à nossa intimidade?” ou “Tem algo que você gostaria de tentar, mas nunca comentou?”. O importante é criar um ambiente seguro, sem julgamentos ou cobranças.
Validar o cansaço ou as dificuldades do outro, mas também expressar as próprias necessidades, é sinal de maturidade e empatia. Em vez de transformar o sexo em mais uma obrigação, a conversa pode abrir espaço para novas experiências, reconexão e resgate do prazer.
A reportagem do Estado de Minas destaca, ainda, que a comunicação é considerada o maior obstáculo para uma vida sexual satisfatória, superando até mesmo questões técnicas ou físicas5. Falar sobre o que incomoda, o que excita e o que poderia ser diferente é um exercício de cuidado mútuo — e pode, por si só, reacender a chama da intimidade.
Quando (e como) buscar ajuda profissional
Há momentos em que, apesar de todas as tentativas, a diferença de desejo sexual se torna frequente e motivo de sofrimento. Nesses casos, recorrer a ajuda profissional pode ser um passo fundamental para ressignificar o relacionamento e restabelecer o diálogo.
A terapia sexual é um recurso valioso tanto para casais quanto para indivíduos que enfrentam desafios nessa área. O acompanhamento especializado permite identificar causas profundas do descompasso, propor novas dinâmicas e fortalecer o vínculo afetivo e sexual. Como aponta matéria da CNN Brasil, priorizar o bem-estar sexual é cuidar da saúde do relacionamento como um todo3.
Buscar ajuda não é sinal de fracasso, mas de coragem. Muitas vezes, a presença de um profissional facilita conversas difíceis, desarma ressentimentos e traz à tona questões que estavam soterradas pelo medo ou pela vergonha. Além disso, a terapia pode ajudar o casal a redefinir o que é prazer e conexão para ambos, considerando as mudanças e necessidades de cada fase da vida.
É importante lembrar que ninguém é obrigado a transar para agradar o outro, mas também não se deve aceitar o silêncio ou a frustração como rotina. O equilíbrio está em construir, juntos, uma sexualidade que faça sentido para ambos — e, quando necessário, pedir ajuda para trilhar esse caminho.
O descompasso entre o desejo de um e o cansaço do outro pode acontecer com qualquer casal, em diferentes momentos da vida. Ninguém é “obrigado” a transar, mas ninguém precisa aceitar o silêncio ou a frustração como rotina. O segredo está em reconhecer que sexo vai muito além do ato físico: envolve cuidado, comunicação e respeito mútuo. Falar sobre o que sente, buscar entender o outro e, se necessário, pedir ajuda são passos importantes para transformar a intimidade em um espaço de reconexão. Afinal, não se trata só de dormir juntos, mas de continuar acordando um para o outro, todos os dias.
Fontes consultadas:
-
Sexo: os fatores que prejudicam a libido de homens e mulheres – BBC News Brasil ↩↩
-
Descompasso sexual no relacionamento? Você não está só – DW ↩↩
-
Abstinência sexual pode afetar a mente e o corpo, dizem especialistas | CNN Brasil ↩↩↩
-
Descompasso sexual no relacionamento? Você não está só – G1 ↩
-
Educadora Sexual fala sobre importância da comunicação para a vida sexual ↩↩