Entre Tapas e Carícias: Entenda o Prazer no BDSM


Imagine-se no meio de uma transa, quando seu parceiro ou parceira pede um tapa mais forte, ou talvez sugira algo ainda mais ousado. Para alguns, essa ideia pode soar estranha ou até desconfortável; para outros, é parte essencial do prazer. Conversas em redes sociais e relatos de clientes mostram que práticas que envolvem bater ou apanhar durante o sexo estão cada vez mais em pauta — e ainda cercadas de dúvidas, mitos e, muitas vezes, julgamentos. Afinal, o que leva alguém a ter prazer em experiências que parecem, num primeiro olhar, misturar dor e prazer? E, principalmente, como garantir que tudo seja seguro, saudável e consensual?

O que é BDSM e por que falar sobre isso?


A sigla BDSM costuma aparecer com frequência quando o assunto são práticas sexuais que envolvem tapas, puxões de cabelo, mordidas, amarrações, entre outros elementos que misturam dor e prazer. BDSM significa Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo. Cada letra representa um universo de possibilidades, variações e intensidades — mas, acima de tudo, aponta para experiências marcadas por consentimento e negociações cuidadosas.

Nem toda prática que envolve bater ou apanhar está, necessariamente, dentro do BDSM formal. Muitas pessoas, por exemplo, gostam de um tapa mais forte ou de certa dominação sem, de fato, se identificarem com a cultura BDSM ou seguirem rituais específicos. O que une esses comportamentos, de modo geral, é o desejo de experimentar sensações diferentes, brincar com limites do corpo e das emoções, e, muitas vezes, buscar uma entrega que vai além do sexo tradicional.

Historicamente, práticas relacionadas ao BDSM já existiam na Grécia Antiga e se tornaram mais visíveis na cultura pop, especialmente a partir dos anos 1990. Mas, mesmo com a popularização, muitos ainda veem o tema com preconceito ou desinformação. É fundamental desmistificar: pesquisas recentes, como o estudo publicado pela Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana (SBRASH), mostram que as práticas BDSM não devem ser vistas como patologia ou desvio, mas sim como formas legítimas de expressão sexual e construção de identidade e prazer[^1].

Afinal, o que move essas pessoas? O desejo de se libertar de tabus, de sentir o corpo de modo mais intenso ou de testar os próprios limites? Como veremos, não há uma resposta única — cada experiência é única, e faz parte de um mosaico cada vez mais diverso e aceito.

[^1]: Estudo SBRASH: Práticas Sexuais para Além da Dor na Visão de Praticantes de BDSM

Entre o desejo e o desconforto: diferentes percepções sobre dor e prazer


Conversas em redes sociais e relatos de clientes de sex shops ilustram bem: quando um parceiro pede para apanhar (ou bater), as reações podem variar do entusiasmo à surpresa, passando pela insegurança ou até bloqueio. Em um dos relatos mais comuns, alguém descreve o constrangimento de não saber a intensidade certa do tapa, temendo machucar ou, ao contrário, não satisfazer o desejo do outro. Muitas vezes, o que pode ser altamente excitante para uma pessoa, para outra soa estranho, desconfortável ou até motivo de insegurança.

Essas diferenças são absolutamente naturais. Prazer e dor, no contexto sexual, não são experiências universais: o que provoca excitação em uma pessoa pode ser aversivo para outra. Segundo o estudo da SBRASH, os praticantes de BDSM relatam que o prazer não está, necessariamente, na dor em si, mas na entrega, na confiança estabelecida e na sensação de controle (ou de perder o controle)[^1]. É como se, ao brincar com limites físicos e emocionais, os parceiros encontrassem novas formas de conexão, autoconhecimento e intimidade.

É importante lembrar que o limiar entre dor e prazer é subjetivo e influenciado por fatores emocionais, culturais e até mesmo biológicos. Para quem nunca experimentou, pode ser difícil entender como um tapa, uma mordida ou um puxão de cabelo pode ser excitante. Porém, para muitos, essas sensações ampliam o repertório de prazer, permitindo o acesso a estados de excitação e vulnerabilidade que, em outros contextos, talvez não fossem possíveis.

O segredo para navegar entre desejo e desconforto? Diálogo aberto, sem julgamentos, onde cada um pode expressar seus limites, curiosidades e inseguranças. Só assim é possível construir uma experiência realmente prazerosa para todos.

Consentimento, comunicação e segurança: os pilares de toda experiência


Toda prática sexual, especialmente aquelas que envolvem elementos de dominação, dor ou jogos de poder, deve ser orientada por três pilares: consentimento, comunicação e segurança. Não existe prazer verdadeiro onde não há respeito mútuo e liberdade para dizer “sim” ou “não”.

Consentimento explícito significa que todas as pessoas envolvidas sabem exatamente o que vai acontecer, concordam com isso e têm liberdade para mudar de ideia a qualquer momento. Não basta presumir que alguém gostou de um tapa porque não reclamou — é preciso perguntar, escutar e validar o que o outro sente. Uma prática comum entre adeptos do BDSM é o uso de “palavras-sinal” (ou safewords), que funcionam como um freio de emergência: caso a experiência se torne desconfortável, basta dizer a palavra combinada para que tudo pare imediatamente.

A comunicação precisa acontecer antes, durante e depois. Antes, para alinhar expectativas, limites e desejos. Durante, para ajustar a intensidade, perceber reações e garantir que todos estejam confortáveis. Depois, para acolher possíveis dúvidas, inseguranças ou sentimentos ambíguos. Especialistas recomendam sempre perguntar como a pessoa se sentiu e se algo poderia ser diferente na próxima vez.

A plataforma Hope Lingerie, referência em educação sexual, destaca que conhecer os próprios limites e os sinais de segurança é essencial para evitar situações traumáticas ou perigosas. Isso inclui saber onde bater (áreas musculosas são mais seguras que articulações ou órgãos vitais), nunca restringir respiração sem preparo e jamais insistir quando alguém demonstra desconforto[^2].

[^2]: O que é a prática sexual conhecida como BDSM? - Hope Lingerie

Esses cuidados não são burocráticos ou “mata-prazer”: ao contrário, tornam as experiências mais seguras, saudáveis e, por isso mesmo, muito mais prazerosas.

Aftercare: o cuidado depois da intensidade


Uma das etapas mais importantes — e, ironicamente, menos debatidas — das práticas BDSM é o aftercare. O termo se refere ao conjunto de cuidados físicos e emocionais após cenas intensas, sejam elas de dominação, submissão, tapas, amarrações ou qualquer atividade que mexa com limites do corpo e das emoções.

Mas por que o aftercare é tão necessário? Durante experiências de alta intensidade, o organismo libera uma série de hormônios e neurotransmissores, como adrenalina, endorfinas e dopamina. Após o ápice, o corpo pode “desabar” em sensações de vazio, tristeza ou fadiga — fenômeno conhecido como “sub drop” (no caso de submissos) ou “dom drop” (para dominantes)[^3]. Esses sentimentos são normais e não significam que algo deu errado. O aftercare serve justamente para acolher, proteger e restaurar o bem-estar de todos os envolvidos.

O aftercare pode assumir diferentes formas, de acordo com as necessidades de cada pessoa: um abraço prolongado, massagem, hidratação da pele, conversar sobre o que aconteceu, trocar carícias, ouvir uma música juntos, tomar um banho ou simplesmente permanecer em silêncio, lado a lado. O importante é que essa etapa seja combinada e respeitada — e que ninguém se sinta julgado por precisar de mais (ou menos) cuidado.

O site Bad Girls Bible traz dicas práticas sobre aftercare, enfatizando que não existe fórmula única: cada casal ou grupo precisa construir seu próprio ritual, levando em conta emoções, limites e desejos[^3]. Já o guia do Dom Barbudo ressalta que o aftercare é também uma oportunidade de fortalecer vínculos de confiança e respeito, além de prevenir desconfortos físicos e psicológicos[^4].

[^3]: The Complete BDSM Aftercare Guide - Bad Girls Bible
[^4]: AFTERCARE – Dom Barbudo

Incorporar o aftercare não é sinal de fragilidade, mas de maturidade emocional — e um passo essencial para que experiências intensas se tornem fonte de autoconhecimento e prazer, e não de arrependimento ou culpa.

Quando o tabu vira autoconhecimento e conexão


Explorar práticas como tapas, mordidas ou jogos de dominação pode ser libertador para quem deseja experimentar novas formas de prazer e aprofundar laços de confiança. Para muitos, o maior benefício dessas práticas não está na dor em si, mas na vulnerabilidade compartilhada, na sensação de entrega e na possibilidade de viver desejos sem medo de julgamento.

É importante, contudo, lembrar que ninguém deve se sentir pressionado a fazer algo com o qual não se sinta confortável. O desejo (ou a ausência dele) de experimentar práticas mais intensas deve ser respeitado. Sexo saudável é aquele que parte do encontro — não da imposição.

O estudo da SBRASH reforça a importância do autoconhecimento e do diálogo aberto como ferramentas fundamentais para transformar o tabu em oportunidade. Para muitos praticantes, o BDSM não é apenas um conjunto de técnicas, mas um caminho para explorar a própria sexualidade, descobrir novos desejos e fortalecer vínculos emocionais[^1].

Buscar informação, conversar sobre limites e fantasias, trocar experiências com naturalidade: esses são os caminhos para que cada um possa trilhar sua jornada erótica de modo seguro, respeitoso e, acima de tudo, verdadeiro.

A psicologia tradicional, em alguns momentos, já rotulou práticas como o BDSM como patológicas. No entanto, a visão dos próprios praticantes e os estudos recentes apontam para um outro horizonte: o de uma sexualidade plural, rica em nuances e capaz de promover conexão, intimidade e bem-estar.



A sexualidade humana é diversa, complexa e profundamente pessoal. Práticas como bater ou apanhar durante o sexo podem ser vividas como experiências de prazer, autoconhecimento e entrega — desde que embaladas por consentimento, cuidado e respeito mútuo. Não existe certo ou errado quando o assunto é desejo entre adultos conscientes. O mais importante é criar espaços de diálogo, informação e acolhimento, para que cada um descubra, no seu tempo e do seu jeito, o que realmente lhe dá prazer. Que tal conversar mais abertamente sobre seus limites e curiosidades com quem divide a intimidade com você? Às vezes, um tapa (ou um não) pode abrir portas para novas descobertas — e para relações mais saudáveis e verdadeiras.

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