Como Lidar com Fetiches Não Compartilhados no Relacionamento


Nem sempre nossos desejos mais íntimos encontram eco no parceiro. Conversas sobre fetiches – desde fantasias envolvendo terceiros até preferências por práticas específicas – circulam em redes sociais e rodas de amigos, revelando uma realidade: muitos casais convivem com fetiches não compartilhados. O que fazer quando o desejo bate à porta, mas esbarra nos limites do outro? Esse desafio, tão comum quanto silenciado, impacta a intimidade e pode abrir espaço para reflexões importantes sobre comunicação, respeito e autoconhecimento.




O que são fetiches e por que eles são tão diversos?


Fetiches habitam a fronteira entre o imaginário e a experiência concreta, compondo uma das paletas mais coloridas da sexualidade humana. De modo amplo, fetiches referem-se a desejos sexuais por objetos, partes do corpo, situações ou dinâmicas específicas – e não raro, surpreendem tanto quem sente quanto quem escuta sobre eles. Sapatos, lingeries, aventais, cenários de dominação e submissão, práticas envolvendo terceiros, jogos de papéis: a lista de possibilidades é virtualmente infinita.

Segundo o Manual MSD para profissionais da saúde, o fetichismo se caracteriza pela excitação sexual a partir de objetos inanimados ou partes do corpo não genitais, como pés ou cabelos. É importante frisar, porém, que o fetichismo só se torna um transtorno quando causa sofrimento significativo ou prejuízo funcional, como destaca o artigo Transtorno Fetichista – Manuais MSD. Em outras palavras: sentir desejo por algo específico não é, por si só, motivo de preocupação.

A pluralidade dos fetiches é resultado de uma intrincada mistura de experiências pessoais, influências culturais, aprendizados inconscientes e, nos últimos anos, referências trazidas pelas redes sociais e mídias digitais. O acesso facilitado a informações e relatos de outras pessoas ampliou o repertório erótico, tornando mais visíveis práticas que, antes, circulavam quase exclusivamente no universo do segredo.

A psicanálise, como lembra a matéria Fetiches podem ser sinais de transtornos mentais? (Terra), investiga as origens dos fetiches na formação psicossexual do indivíduo. Sigmund Freud sugeriu, por exemplo, que fantasias e desejos podem surgir como formas de lidar com ansiedade, inseguranças ou experiências passadas marcantes. Ainda assim, não há uma única explicação – e, para a maioria das pessoas, os fetiches se manifestam como parte saudável da sexualidade.

A diversidade de fetiches, portanto, é reflexo da própria diversidade humana. O que para uma pessoa soa trivial, para outra pode ser fonte de intenso prazer ou desconforto. Reconhecer essa variedade é o primeiro passo para lidar de forma respeitosa com os desejos – próprios e alheios.




Como a geração Z e outras gerações encaram os fetiches


A forma como diferentes gerações encaram os fetiches revela bastante sobre as mudanças culturais e de valores em torno da sexualidade. Pesquisas recentes, como a conduzida pelo aplicativo Bumble e divulgada pelo O Globo, apontam tendências interessantes nesse cenário.

Enquanto para alguns, acessórios e práticas consideradas “ousadas” fazem parte do cardápio erótico, a geração Z – jovens adultos nascidos a partir de meados dos anos 1990 – demonstra uma abordagem mais suave e afetiva. Apenas 43% desse grupo se declara aberto ao uso de brinquedos sexuais, priorizando, muitas vezes, carinho, conexão emocional e intimidade sobre a experimentação de fetiches ou práticas menos convencionais.

Essa diferença de perspectiva pode ser fonte de ruídos ou oportunidades no diálogo entre casais, especialmente em relações com idades distintas. Em alguns casos, a expectativa de um parceiro mais velho por experiências variadas pode se chocar com a preferência por vínculos afetivos mais tradicionais do parceiro mais jovem. Em outros, o frescor de uma geração pode desafiar tabus e incentivar novas descobertas.

Vale lembrar que, para além das estatísticas, cada indivíduo é único. Relatos em redes sociais e de clientes frequentemente revelam o quanto um fetiche considerado “comum” por uns pode ser uma barreira importante para outros. Por exemplo: enquanto para alguns, usar uma lingerie diferente ou experimentar acessórios pode ser excitante, outros sentem desconforto ou até mesmo desconexão diante desses pedidos.

Essas diferenças não devem ser vistas como obstáculos intransponíveis, mas como convites ao diálogo. Entender que cada geração – e, acima de tudo, cada pessoa – possui seu próprio ritmo e repertório é fundamental para construir relações mais empáticas e abertas.




O desafio do desejo não compartilhado – relatos e dilemas


Poucas conversas são tão sensíveis quanto a que envolve desejos não compartilhados no relacionamento. Diversos relatos apontam para a dificuldade de expressar certos fetiches por medo de julgamento, constrangimento ou rejeição. Não é incomum que alguém reprima fantasias por receio de abalar a estabilidade da relação ou de ser visto como “estranho”.

Entre os exemplos mais citados estão fantasias que envolvem terceiros, práticas anais, fetiches de dominação/submissão, ou ainda o simples desejo de experimentar algo diferente, como usar roupas específicas ou incorporar acessórios. Uma cliente relata: “Sempre tive curiosidade de experimentar jogos de dominação, mas meu parceiro torce o nariz. Fico sem saber se insisto ou deixo pra lá”.

Diante desse impasse, as pessoas tendem a adotar diferentes estratégias. Algumas preferem o silêncio, guardando o desejo em segredo para evitar conflitos ou constrangimentos. Outras apostam na negociação, tentando entender até onde o parceiro está disposto a ir, ou buscando adaptações que contemplem, ao menos em parte, o fetiche.

Há ainda quem busque satisfação fora da relação, seja por meio de conversas online, consumo de conteúdo adulto específico ou, em situações mais delicadas, envolvendo-se com terceiros de maneira velada. Esse caminho, no entanto, frequentemente traz consequências complexas para a confiança e a intimidade do casal.

O silêncio sobre o fetiche, quando se prolonga, pode gerar frustração, distanciamento emocional e até ressonância em outras áreas da convivência. O desejo não atendido pode se transformar em ressentimento, impactando a autoestima, a disposição para o sexo e a própria construção da identidade dentro da relação. Por outro lado, a exposição abrupta ou sem preparo do desejo pode gerar choque, insegurança e até sensação de invasão.

Esses dilemas são mais comuns do que se imagina – e, muitas vezes, o que falta não é desejo, mas espaço para conversar com segurança e respeito.




O papel do diálogo aberto e seguro


Uma das orientações mais consistentes de especialistas em sexualidade é sobre a importância de cultivar um ambiente seguro, sem julgamentos, para que ambos possam expressar desejos e limites. O Guia GlobalNews para casais reforça que a comunicação aberta, aliada à empatia, é o ingrediente central para transformar o desejo em ponte – e não em muro – entre parceiros.

Escolher o momento apropriado faz toda diferença. Conversas sobre fetiches raramente fluem bem quando surgem em meio a discussões, brincadeiras deslocadas ou situações de estresse. Buscar um momento de tranquilidade, em que ambos estejam relaxados e dispostos a ouvir, é um passo fundamental. Não se trata de “fazer uma grande revelação”, mas de abrir espaço para um papo honesto e afetivo.

A escuta ativa é tão importante quanto a fala. Ouvir, sem interromper, as razões e sentimentos do outro – mesmo que sejam diferentes dos próprios – cria confiança e permite que o casal encontre caminhos que respeitem ambos. O respeito ao tempo do parceiro, sem pressa ou pressão, é um sinal de maturidade emocional e cuidado.

Visitar juntos uma sexshop pode ser uma experiência interessante para muitos casais. Mais do que “comprar algo para apimentar”, essa vivência permite explorar, de modo lúdico, diferentes possibilidades, conversar sobre preferências e até descobrir afinidades inesperadas. Consumir conteúdos educativos, como artigos, vídeos e podcasts sobre sexualidade, também pode ajudar a naturalizar o tema e tornar a abordagem mais leve.

Especialistas enfatizam que, mesmo que o desejo não seja compartilhado, a simples conversa já pode fortalecer a intimidade e criar novas formas de conexão. Como destaca o Guia GlobalNews, “falar sobre fantasias sexuais pode ser libertador, trazendo maior compreensão e cumplicidade ao casal”.




Quando os limites são diferentes – como lidar?


Nem todo desejo precisa ser atendido para que uma relação seja saudável. O respeito mútuo aos limites é o que sustenta vínculos duradouros e seguros. Isso significa que, por vezes, será necessário conviver com diferenças – e encontrar formas criativas e respeitosas de negociar.

Uma possibilidade é buscar adaptações. Se o fetiche envolve, por exemplo, um acessório ou prática específica, pode-se tentar formas mais leves ou alternativas de incorporar o desejo, respeitando o conforto de ambos. Em muitos casos, o simples fato de o parceiro se dispor a experimentar, ainda que de maneira gradual, já é suficiente para que o desejo seja acolhido.

Outra alternativa é explorar outras formas de satisfação, ampliando o repertório de intimidade e prazer para além do fetiche não compartilhado. O erotismo, afinal, é uma construção a dois – e pode ser nutrido de múltiplas maneiras.

Quando o desejo não realizado causa sofrimento intenso ou compromete a qualidade da vida sexual, a busca por acompanhamento terapêutico pode ser valiosa. A psicanálise, conforme destaca o artigo do Terra, ressalta a importância de compreender o significado dos fetiches na vida psicossexual, em vez de simplesmente reprimi-los ou ceder a qualquer custo.

Para alguns casais, o dilema do desejo não compartilhado pode abrir espaço para reflexões mais amplas sobre a estrutura da relação. Conceitos como poliamor e relacionamentos não-monogâmicos, discutidos na análise da psicanalista Vanilsa (Doenças Psicossomáticas), ganham força como alternativas para quem deseja experimentar novas dinâmicas – sempre com muito diálogo, consentimento e clareza sobre expectativas e limites.

É essencial, porém, lembrar que abrir a relação não é solução para todos os casos – e pode, inclusive, gerar novos desafios se não houver maturidade e comunicação. O importante é que as decisões sejam tomadas de comum acordo, com honestidade sobre sentimentos, desejos e inseguranças.




Fetiches fazem parte da pluralidade da experiência sexual humana, mas só florescem quando existe espaço para conversa, respeito e escuta. Se o seu desejo não encontra eco no parceiro, vale lembrar: cada relação é única, e a negociação dos limites é um exercício contínuo de cuidado mútuo. Cultivar um diálogo honesto não apenas fortalece a intimidade, mas pode abrir portas para novas formas de prazer, compreensão e crescimento conjunto. Afinal, a sexualidade é uma jornada compartilhada – e o entendimento pode ser tão excitante quanto a realização de qualquer fantasia.

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