Imagine sentir uma mistura de excitação e nervosismo ao ver o seu parceiro se envolvendo com outra pessoa. O coração acelera, o corpo esquenta, a mente trabalha entre o desejo e o medo — como se fosse aquela primeira volta numa montanha-russa, onde o frio na barriga e o prazer se confundem. Para algumas mulheres, o tesão na “possibilidade de ser traída” não só existe, como se transforma numa fantasia carregada de nuances emocionais, confiança e liberdade. Esse desejo, antes restrito ao silêncio das sessões de terapia ou a segredos de casal, hoje ganha espaço em conversas reais e redes sociais, mostrando que a transgressão pode, surpreendentemente, ser uma ponte para fortalecer vínculos afetivos.
O que é o fetiche de ser traída?
O fetiche de ser traída — também conhecido pelo termo inglês cuckquean para mulheres, e cuckold para homens — é a fantasia de sentir prazer ao imaginar, saber ou assistir o parceiro envolvido sexualmente com outra pessoa. Diferente da traição, que envolve quebra de confiança e acordos, aqui tudo acontece sob consentimento, com diálogo e regras claras.
No universo desse fetiche, o voyeurismo é peça-chave: há quem sinta tesão só de imaginar a cena, outros preferem presenciar. Mas o prazer não se limita ao sexo em si; muitas vezes está no flerte, no clima de sedução, no saber que o parceiro deseja outra pessoa — tudo enquanto a relação principal permanece intacta e, muitas vezes, fortalecida.
Dinâmicas de poder também são comuns. O fetiche pode envolver jogos de submissão e dominação, como apontam estudos sobre práticas BDSM, onde a entrega e o controle são negociados de forma consciente e segura (Universa/UOL). O importante é diferenciar fantasia, prática consensual e a traição real, que implica em quebra de confiança e acordos.
Por que esse fetiche desperta tanto interesse?
Basta uma breve navegação por fóruns, grupos de conversa e relatos de clientes para perceber que o fetiche de ser traída é mais comum do que se imagina. Homens e mulheres compartilham histórias sobre como a ideia de ver o parceiro com outra pessoa atiça a imaginação, provoca frio na barriga e alimenta fantasias que desafiam o óbvio.
O desejo muitas vezes está mais ligado ao tesão pelo risco, pelo proibido, do que à vontade real de romper acordos afetivos. “É engraçado, porque eu achava que era ciúmes, mas no fundo era uma vontade de sentir aquele calor do risco, de ver ele desejando alguém e ainda assim voltar pra mim”, conta uma cliente. Em outras palavras, o fetiche brinca com limites, testa emoções e, paradoxalmente, pode reforçar a segurança e a confiança entre os parceiros.
Pesquisas mostram que a mistura de ciúmes, excitação, medo e segurança é central para muitos que se interessam por esse universo. Uma pesquisa citada pelo psicólogo Elídio Almeida revelou que 90% dos homens em uma plataforma de relacionamentos admitiram fantasiar ver suas parceiras com outro homem, um salto em relação aos 30% registrados no ano anterior (Elídio Almeida). O interesse feminino também é crescente, mostrando que o fetiche não é exclusividade de um gênero.
O fascínio está em experimentar emoções contraditórias num espaço seguro, onde o “brincar com fogo” não significa destruir o que foi construído, mas sim adicionar novas camadas de desejo e conexão.
As origens do fetiche: ciência e vivências pessoais
De onde nasce o fetiche de ser traída? A ciência ainda não tem respostas definitivas, mas algumas teorias ajudam a lançar luz sobre o tema. De acordo com especialistas entrevistados pelo VivaBem/UOL, os fetiches podem surgir a partir de experiências marcantes na infância, vivências familiares ou pura curiosidade sexual. O ambiente em que uma pessoa cresce, as referências de desejo, temas de poder e até mesmo episódios de ciúme ou insegurança podem influenciar o desenvolvimento dessas fantasias (VivaBem/UOL).
Durante muito tempo, fetiches foram vistos como patologias, algo a ser corrigido ou escondido. Hoje, a visão mudou: desde que não causem dano a ninguém, são entendidos como parte saudável da sexualidade. A sexóloga Carla Cecarello, por exemplo, ressalta que “o fetiche só é problemático se causa sofrimento ou impede a vida sexual saudável do indivíduo ou do casal”.
Nos consultórios, histórias se multiplicam. Mulheres relatam que, ao vivenciar ou fantasiar situações de “traição consensual”, sentem-se mais livres, empoderadas e até mais conectadas ao parceiro. Para algumas, é uma forma de desafiar padrões de posse e exclusividade; para outras, uma maneira de explorar a própria sexualidade sem culpa. Em todos os relatos, aparece o ingrediente da comunicação: nada acontece sem diálogo, limites e respeito mútuo.
Comunicação e consentimento: a base para explorar a fantasia
Antes de transformar desejo em prática, é preciso conversar. Falar sobre fantasias, inseguranças, limites e expectativas é o primeiro passo para que o fetiche seja vivido de forma positiva. Especialistas que acompanham casais adeptos do não-monogâmico reforçam que estabelecer acordos claros é fundamental, seja para envolver terceiros ou apenas alimentar as fantasias por meio de conversas, sexting ou jogos de imaginação (Medium - RC Não Mono).
A sexóloga e terapeuta de relacionamentos Luciana Perfetto destaca que a comunicação aberta é indispensável para a gestão do ciúme e da vulnerabilidade emocional, especialmente em relações abertas ou que exploram dinâmicas como a cuckquean. “O medo, o ciúme e até o desconforto inicial são normais. O importante é dar espaço para que esses sentimentos sejam expressos sem julgamento”, afirma (Luciana Perfetto).
Algumas estratégias recomendadas incluem:
- Conversar sobre limites e gatilhos emocionais: O que é permitido? O que está fora de questão?
- Definir regras claras: Quem pode participar? Onde, quando e como? Todos estão confortáveis com a ideia?
- Acompanhamento emocional: Após experiências mais intensas, vale conversar sobre o que foi bom, o que incomodou e ajustar os acordos conforme necessário.
- Buscar apoio profissional: Se o ciúme ou insegurança ficarem difíceis de controlar, a terapia pode ser uma aliada.
A base de tudo é o consentimento — não só o “sim”, mas a segurança de poder dizer “não” a qualquer momento, sem medo de represálias ou decepção.
Transformando o fetiche em experiência positiva
Se a vontade de explorar esse fetiche bateu à porta, há formas seguras e prazerosas de transformar a fantasia em realidade — ou quase. Nem sempre é preciso ir direto para a prática. Muitas pessoas descobrem que só de conversar, criar cenários imaginários ou trocar mensagens picantes, já sentem a excitação desejada, sem necessidade de envolver terceiros de fato.
Algumas dicas práticas para quem deseja começar:
- Alimente a imaginação juntos: Contem um ao outro suas fantasias, descrevam cenas, experimentem sexting ou jogos de narrativas eróticas. Isso pode ser suficiente para muitos casais.
- Estabeleçam um “menu” de possibilidades: Listem o que cada um gostaria de tentar, do mais suave ao mais ousado. Isso ajuda a encontrar pontos em comum e a respeitar limites.
- Comecem devagar: Se decidirem envolver uma terceira pessoa, que seja alguém de confiança. Vale começar por situações menos intensas, como flertes em festas ou conversas mais quentes, antes de partir para o sexo em si.
- Reavaliem sempre: Após cada experiência, conversem sobre o que foi vivido. O que deu prazer? O que causou desconforto? Os limites mudaram? Este é um processo dinâmico.
- Cuidem do impacto emocional: O fetiche pode mexer com emoções profundas. Não há vergonha nenhuma em pedir ajuda de um terapeuta, individualmente ou em casal, para processar sentimentos e evitar feridas.
Muitos relatos mostram que, ao contrário do que se imagina, explorar essa fantasia pode fortalecer a intimidade. A sensação de liberdade, confiança e o tesão de compartilhar desejos secretos criam uma nova camada de conexão — para além do sexo, nasce um vínculo de cumplicidade e coragem.
Coragem para sentir: entre o desejo, a liberdade e o autoconhecimento
O fetiche de ser traída, para algumas pessoas, é um segredo guardado a sete chaves; para outras, uma fonte de prazer compartilhada, que desafia ideias tradicionais sobre amor, fidelidade e desejo. Em vez de ser apenas sobre “ser corna” ou “levar chifre”, essa experiência revela a potência do diálogo, da coragem em encarar e nomear o próprio desejo sem medo de julgamentos.
Viver fantasias de forma consensual e respeitosa é uma escolha que pode abrir portas para novas formas de conexão, autoconhecimento e liberdade. O frio na barriga deixa de ser motivo de insegurança e passa a ser sinal de que o relacionamento é um espaço vivo, pulsante, onde o desejo pode ser reinventado a dois (ou a três, ou a quantos forem combinados).
No fim, descobrir, vivenciar (ou simplesmente fantasiar) o fetiche de ser traída é um convite para mergulhar no próprio universo de desejos, respeitando a si, o outro e os limites de cada um. É a celebração do direito de sentir, de experimentar e de construir relações onde o frio na barriga é bem-vindo — não como alerta de perigo, mas como sinal de liberdade e entrega.
Fontes consultadas:
- "Fetiche de ser 'corna': entenda mulheres que sentem tesão na traição", Universa/UOL.
- "Cuckold: o fetiche ou desejo de ser traído", Elídio Almeida.
- "Regras, Limites e Acordos nas Relações Não Mono", RC Não Mono.
- "Promovendo Uma Dinâmica Mais Tranquila", Luciana Perfetto.
- "De onde vem o fetiche? Ele surge mesmo na infância? Especialistas explicam", VivaBem/UOL.