Por Que o Mercado do Sexo Ainda Prioriza os Homens?

Reflexões Sobre Gênero, Prazer e Barreiras Invisíveis

Você já se perguntou por que, mesmo em tempos de maior liberdade sexual, o universo do sexo comercial, da pornografia e até das conversas sobre prazer ainda parece girar em torno do desejo masculino? Em muitos espaços, mulheres relatam frustração com a facilidade com que se espera que elas acessem o sexo, ao mesmo tempo em que enfrentam barreiras sociais, julgamentos e uma oferta pensada quase sempre para o olhar do homem. Por trás dessa dinâmica, estão séculos de desigualdade de gênero e uma cultura que ainda privilegia o masculino na sexualidade. Vamos entender, com base em relatos, pesquisas e recomendações especializadas, como chegamos aqui e o que pode mudar nesse cenário.




O mercado do sexo: para quem ele realmente serve?


Uma rápida navegação em sites de acompanhantes masculinos no Brasil revela uma peculiaridade: marcadores como “também atende mulheres” precisam ser explicitamente assinalados, evidenciando que a demanda principal é, de fato, masculina. Esse detalhe, aparentemente simples, escancara uma estrutura na qual o homem é o cliente padrão – e, muitas vezes, o protagonista silencioso de toda a engrenagem do mercado sexual.

A lógica se repete em outras esferas. O universo dos conteúdos adultos, seja na pornografia tradicional, plataformas como OnlyFans ou até em espaços independentes, é majoritariamente produzido por mulheres, mas consumido principalmente por homens. Mesmo em categorias que, à primeira vista, poderiam parecer voltadas ao prazer feminino – como o conteúdo lésbico – a direção e a estética frequentemente buscam atrair o olhar masculino. Essa tendência foi destacada por relatos em redes sociais, nos quais mulheres expressam surpresa (e, não raro, decepção) ao perceberem que a maior parte da oferta de serviços e produtos é desenhada para os desejos masculinos, não os delas.

No Brasil, essa dinâmica também se faz presente nos números. Apesar do crescente consumo feminino de pornografia e de outras formas de entretenimento adulto, a indústria ainda prioriza narrativas e desejos masculinos. De acordo com uma análise do UOL Universa, o Brasil figura como o segundo país do mundo onde mais mulheres consomem pornografia, representando 39% dos usuários do Pornhub – ainda assim, a produção permanece majoritariamente voltada ao público masculino (UOL Universa, 2018)[^1].

Essa disparidade não se limita ao consumo. No ambiente das lojas eróticas, dos aplicativos de namoro e até dos espaços de conversa sobre sexualidade, as necessidades e as experiências femininas muitas vezes são tratadas como nicho, não como prioridade. A pergunta inevitável que se impõe é: por que, em pleno século XXI, ainda seguimos reféns de antigas lógicas de gênero quando o tema é prazer?




O mito da “facilidade” sexual feminina


Entre os comentários recorrentes que circulam em redes sociais e rodas de conversa, um se destaca: “Se uma mulher quiser sexo, basta estalar os dedos”. Por trás dessa frase, mora um dos mitos mais persistentes sobre a sexualidade feminina. A ideia de que o acesso ao sexo seria simples para as mulheres ignora uma série de barreiras sociais, psicológicas e até físicas que permeiam o cotidiano feminino.

Enquanto para o homem o desejo é frequentemente celebrado e incentivado desde cedo, a mulher se vê diante de uma linha tênue: de um lado, o risco de ser rotulada como “promíscua” caso expresse livremente sua sexualidade; do outro, a expectativa de que seja “vítima” ou “difícil”, caso demonstre recato. Esse dilema limita não apenas as ações, mas a própria construção do desejo.

O medo da violência, do julgamento e do estigma social são obstáculos reais – e nada triviais. Ainda hoje, mulheres relatam preocupações com sua segurança física ao buscar encontros sexuais, além da constante vigilância sobre sua reputação. A vergonha e a culpa, sentimentos socialmente cultivados por gerações, continuam a atravessar a experiência sexual feminina. Como destaca o artigo da Oxfam Brasil, a desigualdade de gênero é uma construção social enraizada no machismo, que afeta todos os aspectos da vida cotidiana das mulheres, inclusive suas relações e escolhas sexuais (Oxfam Brasil)[^2].

Essa construção histórica do desejo feminino transforma cada possibilidade de prazer em um território cercado por regras não-ditas, expectativas familiares e culturais, e a permanente sensação de estar sendo observada e julgada. Não se trata, portanto, de acesso fácil, mas de um verdadeiro percurso de obstáculos.




Patriarcado e desigualdade de gênero: raízes históricas das barreiras sexuais


Para compreender a persistência dessas dinâmicas, é fundamental olhar para as raízes históricas do patriarcado e da desigualdade de gênero. Segundo o Brasil Escola, o patriarcado é uma estrutura social que coloca os homens em posição de superioridade, relegando às mulheres papéis secundários e limitando suas oportunidades em múltiplas esferas – inclusive na expressão e vivência da sexualidade (Brasil Escola)[^3].

Esses papéis tradicionais associam o homem ao provedor, ao agente do desejo, enquanto à mulher cabe a função de cuidadora, recatada, passiva. A divisão sexual do trabalho, tão presente nas relações familiares e profissionais, também se reflete na forma como o prazer e o consumo sexual são percebidos. Não é por acaso que, historicamente, o mercado do sexo foi construído para atender ao desejo masculino, com as mulheres atuando, frequentemente, como objeto ou ferramenta do prazer alheio.

Além disso, a ausência de mulheres em posições de poder e decisão dentro da indústria sexual perpetua a falta de representatividade e de narrativas que contemplem a complexidade do desejo feminino. Quando as decisões são tomadas majoritariamente por homens, as necessidades e experiências das mulheres se tornam secundárias, e o ciclo se repete.

Como ressalta o artigo da Oxfam Brasil, essas construções sociais não são naturais ou imutáveis – elas são resultado de séculos de normatização, reforçadas por instituições, tradições e práticas cotidianas que precisam ser questionadas e transformadas[^2].




Pornografia: educação sexual distorcida e reforço de estereótipos


A pornografia, hoje mais acessível do que nunca, tornou-se, na prática, a principal fonte de “educação sexual” para gerações inteiras. No entanto, esse aprendizado vem carregado de distorções. Embora o Brasil ocupe posição de destaque no consumo feminino de pornografia, a produção segue majoritariamente padrões que priorizam o prazer masculino, seja na escolha dos roteiros, dos enquadramentos ou das fantasias representadas.

Um dado importante destacado pelo UOL Universa revela que, embora o consumo de categorias como conteúdo lésbico tenha crescido entre mulheres, a maior parte desse material é criado sob a ótica masculina – ou seja, voltado para excitar homens, não para refletir desejos femininos autênticos[^1].

Esse viés acaba reforçando uma série de estereótipos prejudiciais: a ideia de que o prazer feminino é simples, imediato e sempre subordinado ao masculino; a noção de que mulheres estão sempre disponíveis e dispostas; e até mesmo a representação de práticas sexuais que pouco dialogam com a realidade e a diversidade dos corpos e desejos.

Especialistas alertam para o impacto desse tipo de conteúdo na construção da sexualidade. Ao consumir pornografia que apresenta relações desiguais, roteiros violentos ou fantasias que ignoram o consentimento e o prazer mútuo, homens e mulheres acabam absorvendo modelos de comportamento que perpetuam a desigualdade de gênero. O artigo do Brasil Escola ressalta que o patriarcado, além de organizar as estruturas econômicas e sociais, também influencia profundamente as normativas culturais e sexuais, ditando o que é “normal” ou “aceitável” na intimidade feminina (Brasil Escola)[^3].

Por outro lado, a pornografia pode oferecer, para algumas pessoas, um espaço anônimo de exploração e autoconhecimento – principalmente em uma sociedade onde a sexualidade feminina ainda é tabu. O desafio está em garantir que esse acesso seja acompanhado de senso crítico, diversidade de narrativas e respeito genuíno ao prazer de todos os envolvidos.




Novos caminhos: inclusão, educação e protagonismo feminino


Apesar do cenário ainda desigual, novas tendências começam a despontar. A indústria pornográfica, pressionada por mudanças sociais e pela voz cada vez mais ativa de mulheres e pessoas não-binárias, passou a reconhecer a importância do prazer feminino e a diversificar suas narrativas. Iniciativas independentes e produtoras dirigidas por mulheres têm surgido com propostas inovadoras, que priorizam o consentimento, a diversidade corporal e a representação verdadeira do desejo (Projeto Draft)[^4].

Especialistas em sexualidade defendem que a educação sexual é uma das ferramentas mais poderosas para reverter séculos de estereótipos e desigualdades. Uma abordagem que desconstrua mitos de gênero, fale abertamente sobre prazer, consentimento e diversidade, pode transformar a forma como homens e mulheres se relacionam com a própria sexualidade – e, por consequência, com o mercado do sexo.

Discussões abertas em grupos diversos, relatos de clientes e influenciadores, assim como o compartilhamento de experiências reais e honestas, têm sido fundamentais para ampliar o debate. Quando mulheres e pessoas não-binárias se sentem seguras para falar sobre seus desejos, dificuldades e expectativas, todo o ecossistema se beneficia. É nesse ambiente de escuta, respeito e empatia que surgem novas possibilidades de prazer, negócios e relações mais igualitárias.

Políticas públicas e iniciativas privadas também desempenham papel crucial. Garantir direitos trabalhistas, segurança e respeito para quem deseja acessar ou trabalhar no mercado do sexo é uma questão de justiça social, mas também de saúde pública e cidadania. Como propõe a Oxfam Brasil, o enfrentamento à desigualdade de gênero exige mudanças estruturais, que vão da legislação à cultura, passando pela educação e pela ampliação do diálogo[^2].

Talvez o passo mais importante seja reconhecer que o prazer não é – e nunca foi – um privilégio de um único grupo. Ao desafiar as lógicas que colocam o desejo masculino como centro do universo sexual, abrimos caminho para relações mais livres, seguras e prazerosas para todos.




Repensar a quem serve o mercado do sexo é repensar a própria sociedade. Por trás de cada site, vídeo ou serviço, vivem histórias, desejos e bloqueios que carregam séculos de desigualdade de gênero. Ao ouvirmos relatos, analisarmos dados e abrirmos espaço para a voz feminina, caminhamos rumo a uma sexualidade mais justa, prazerosa e inclusiva. E você, como tem enxergado seu próprio lugar — e o das pessoas ao seu redor — nesse universo ainda tão marcado por barreiras invisíveis?




Referências

[^1]: UOL Universa. O que o consumo de pornografia diz sobre a sexualidade do brasileiro?
[^2]: Oxfam Brasil. Desigualdade de gênero: causas e consequências
[^3]: Brasil Escola. Desigualdade de gênero: o que é, origem, dados / Patriarcado: o que é, características, efeitos
[^4]: Projeto Draft. A indústria da pornografia finalmente resolveu priorizar o prazer de um de seus principais públicos: nós, as mulheres

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